segunda-feira, 27 de junho de 2011

A tragédia da Ilha de Páscoa

Distante 3600 quilômetros do continente mais próximo, a América do Sul, e 2 mil quilômetros da ilha mais próxima, Pitcairn, a Ilha de Páscoa é um dos pontos mais isolados do planeta. Tem 163 quilômetros quadrados – metade da área de Belo Horizonte, a capital mineira. O nome dado pelos rapanuis a seu território fazia jus à situação geográfica: Te Pito Henua (algo como “o umbigo do mundo”). A ilha também era chamada de Rapa Nui, ou “Rapa Grande”, por sua semelhança com uma ilha menor chamada Rapa.


A história da ilha é controversa. Não existe nenhum registro escrito anterior à chegada dos europeus. A data da colonização do local também não é certa. Estudos recentes apontam que, por volta do ano 1000, ela foi alcançada por povos polinésios. Pouco mais de 100 deles teriam encontrado uma ilha rica em fauna e flora, com solo fértil, coberta por um tipo grande de palmeira, que costumava alcançar 25 metros. A tradição rapanui conta que o primeiro colonizador, Hotu Matu’a, chegou à ilha com sua família. A lenda é que ele teria se transformado no primeiro rei de Rapa Nui – e seus descendentes, assumido o posto nos séculos seguintes.
Os rapanuis eram comandados por um único líder, mas a sociedade se dividia em vários clãs familiares. Eles viviam em casas feitas de madeira, palha e folhas secas. Os vilarejos mais ricos eram os que tinham mais galinheiros – enormes e feitos de pedra –, pois as galinhas eram uma importante moeda de troca. O ponto mais importante de cada vila era o centro cerimonial. Esses centros eram compostos de um altar, o ahu, sobre o qual os gigantescos moais ficavam. As estátuas de pedra eram construídas em homenagem a alguém importante do clã que havia morrido. Sua posição estratégica – de costas para o mar, olhando para o vilarejo – servia para que, direto da outra vida, o morto continuasse a olhar por seu povo.


Entre os séculos 11 e 14, a sociedade rapanui viveu seus dias de glória. O solo vulcânico favorecia o cultivo de diversos alimentos, especialmente a batata-doce. A agricultura eficiente resultou em um baita crescimento populacional – estima-se que a ilha chegou a ter 15 mil pessoas. Aí começaram os problemas. Um número maior de habitantes exigia que mais áreas fossem devastadas. “O plantio em grande escala necessita de um campo aberto”, afirma o arqueólogo Christopher Stevenson, autor de Easter Island Archaeology (“Arqueo­logia da Ilha de Páscoa”, inédito em português). “Outras demandas pela madeira foram para usá-la como combustível e nas estruturas de casas e barcos.”
As palmeiras serviam para construir as canoas que os habitantes da ilha usavam em alto-mar para pescar um importante item de sua dieta: golfinhos. Como a vida marinha ao redor da ilha não era tão abundante, só os pescadores mais experientes, com suas canoas duplas (semelhantes a catamarãs), conseguiam trazer golfinhos para a mesa. A carne do bicho era muito apreciada, assim como a de foca e de 25 tipos de pássaros selvagens. Adivinhe como isso tudo era preparado? Com a queima da lenha retirada nas florestas.
Mas não era só a alimentação que provocava desmatamento. Ele foi intensificado por uma disputa que tomou conta da ilha: a obsessão por construir moais. Os diferentes vilarejos criavam estátuas cada vez maiores. Os primeiros moais, que teriam sido feitos por volta de 1100, tinham entre 2 e 3 metros de altura. Já o maior que chegou a ser posto sobre um altar, esculpido cerca de 300 anos depois, tem 10 metros e pesa 82 toneladas. Aos pés do vulcão Rano Raraku, onde todos os moais eram construídos, há uma estátua com mais de 15 metros e cerca de 270 toneladas, que não chegou a ser terminada.
Mas o que fazer moais tem a ver com derrubar árvores? Segundo os pesquisadores, levar um moai do vulcão até um vilarejo e deixá-lo em pé era um trabalho que exigia muita madeira (veja infográfico acima). Além disso, de acordo com a arqueóloga americana Jo Anne van Tilburg, da Universidade da Califórnia, um quarto dos alimentos de Rapa Nui era consumido no processo de produção e transporte dos moais – atividades que envolviam entre 50 e 500 pessoas de cada vez.
Conforme as palmeiras eram arrancadas, uma série de problemas no solo começou a aparecer. “A terra de cultivo ficou exposta ao sol, ao vento e à chuva”, afirma o arqueólogo Claudio Cristino, da Universidade do Chile, um dos maiores estudiosos de Ilha de Páscoa. O solo sofreu erosão e muitos vilarejos ficaram inabitáveis, pois nada brotava ao seu redor. “Com a destruição dos solos férteis, não é difícil imaginar drásticos períodos de fome em Rapa Nui. Tensões sociais extremas causaram conflitos e a população da ilha, que teria chegado a 15 mil pessoas, começou a diminuir”, diz Cristino, autor de 1000 Años en Rapa Nui (“1000 anos em Rapa Nui”, sem tradução para o português).
Esse processo de decadência, de acordo com a maior parte dos estudiosos, ocorreu entre os séculos 16 e 17 – antes da chegada dos europeus. Segundo Cristino, a tradição oral rapanui menciona um período de guerras entre aldeias. Quando derrotavam os membros de determinado clã, os vencedores derrubavam os moais do vilarejo de cara para o chão – a maior humilhação que podia ser feita. As expedições européias que visitaram a Ilha de Páscoa ajudaram a piorar a crise, espalhando epidemias e levando pascoenses como escravos. No fim do século 19, havia pouco mais de 100 pessoas na ilha. Basicamente o mesmo número que teria aportado por lá 1000 anos antes e fundado a sociedade rapanui.


Culpa de quem?
Estudiosos divergem quanto aos motivos do desastre da ilha. O geógrafo Jared Diamond, autor de matérias e livros sobre o assunto, batizou a tragédia de “ecocídio”. Ao devastar os recursos naturais da ilha, os rapanuis teriam provocado um desequilíbrio que resultou no fim de um ecossistema e causou seu próprio extermínio. “A história da Ilha de Páscoa é o exemplo extremo de destruição florestal no Pacífico e está entre os mais extremos do mundo: a floresta desapareceu e todas suas espécies de árvores se extinguiram”, escreveu.
Já para o antropólogo americano Terry Hunt, da Universidade do Havaí, não há evidência de que o colapso da população tenha ocorrido antes do contato com os europeus. Hunt sustenta que Rapa Nui foi colonizada bem depois do que se acredita – por volta de 1200. Assim, não haveria tempo para que, em pouco mais de três séculos, a população saltasse para 15 mil habitantes. Sem superpopulação, a teoria do ecocídio não faria muito sentido. Para Hunt, a queda das árvores foi causada por uma mudança climática que ocorreu ao longo dos séculos. E foi intensificada por uma espécie trazida pelos europeus: os ratos. Alimentando-se de frutos e sementes da palmeira, os roedores dificultavam o nascimento de novas árvores.
Discordando da maioria dos especialistas, Hunt afirma que a ação dos colonizadores foi decisiva para acabar com o povo rapanui – assim como ocorreu com muitas outras sociedades pré-colombianas da América, dos astecas aos tupinambás. As expedições européias que freqüentaram a Ilha de Páscoa entre 1722 e 1877 tinham como principal atrativo a população local. Os homens serviam de mão-de-obra escrava em países colonizados pela Espanha e pela Inglaterra. As mulheres viravam escravas sexuais. O missionário alemão Sebastian Englert escreveu sobre dois navios que chegaram lá à procura de escravos. Segundo o padre, a tripulação capturou 150 nativos e os levou ao Peru, onde todos foram vendidos. Diversas outras expedições fizeram o mesmo.
Na opinião do britânico John Flenley, professor de Geografia na Universidade Massey, na Nova Zelândia, e co-autor de The Enigmas of Easter Island (“Os enigmas da Ilha de Páscoa”, também inédito em português), o que ocorreu foi uma combinação de fatores. “A superpopulação, o declínio dos recursos naturais, a exaustão do solo, as guerras e possivelmente uma mudança climática levaram a sociedade à extinção”, diz. “Há a possibilidade de um contato prévio com os espanhóis ter auxiliado, mas não há evidência real para isso.” Flenley não acredita na teoria do “ecocídio”. “Isso soa rude para o povo rapanui. Eu acredito que eles fizeram exatamente o mesmo que outras sociedades fariam. É da natureza humana explorar o meio ambiente. Apenas o controle de população os teria salvado, mas os métodos disponíveis eram absurdos, como o infanticídio. Eles então entraram em guerra. Nós faríamos o mesmo.”
Hoje a Ilha de Páscoa pertence oficialmente ao Chile, país ao qual foi anexada em 1888. Seus habitantes vivem no vilarejo de Hanga Roa, onde funciona o centro comercial da ilha. Há poucas árvores replantadas na ilha, que vive principalmente do turismo. A história dos antigos rapanuis é contada pelos atuais moradores como exemplo a não ser seguido hoje, mas o paralelo com o mundo atual é inevitável. “Há algumas lições a serem aprendidas com a história da Ilha de Páscoa”, afirma John Flenley. “As principais são claras: para não se extinguir, uma sociedade tem de ter controle de natalidade, conservação ecológica e sustentabilidade.” Fonte (Guia do Estudante).

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