segunda-feira, 18 de julho de 2011

Famílias vivem do luxo do lixo


Jornal O Popular (18/7/2011)

A catadora de material reciclável Dulce Helena do Vale, de 46 anos, não pensava em ter microondas em casa. Artigo de luxo para quem tira do lixo o sustento da família, o aparelho chegou até ela levado por um caminhão da Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg), que recolhe produtos recicláveis em toda a cidade e encontra, por toda parte, móveis, eletrodomésticos, eletrônicos, eletroportáteis e vários outros aparelhos conservados e em condições de uso.


Na sede da Cooperativa de Material Reciclável Reciclamos e Amamos o Meio Ambiente (Cooperama), instalada no Jardim Curitiba 3, quase tudo na cozinha e escritório foi retirado do lixo. São mesas, cadeiras, fogão, bebedouro e computadores que encontraram novo uso no local. E a cena se repete na maioria das casas dos 38 cooperados.

Ontem, Raimunda Nonato Conceição Ramos, de 63, não escondia a satisfação de poder oferecer aos dois filhos um substituto para o sofá, que falta na casa de ambos.

Ela recolheu seis poltronas de cinema, de uma pilha existente no local, para adaptar como sofá. "Vou arrumar e dar para eles, que não têm condições de comprar", conta. Da cooperativa, Raimunda também costuma levar sapatos e retalhos para fazer tapetes e aumentar a renda mensal da família.

Roupas e calçados encontrados entre os recicláveis ou doados pelas pessoas também abastecem o guarda-roupas da maioria dos cooperados.

poder aquisitivo

A presidente da cooperativa, Dulce Helena, diz que dificilmente compra roupas e sapatos. Até bijuteria encontra no lixo.

E foi do lixo que Claudeci Rodrigues, de 26 anos, tirou o colchão que hoje lhe faz "dormir nas nuvens". Antes, sentia a superfície dura da madeira da cama, coberta apenas por uma espuma fina. "Eu não tinha condição de comprar", acentua.

O aumento do poder aquisitivo das classes C e D e a consequente ampliação ao acesso de bens de consumo como eletrodomésticos, móveis, eletroeletrônicos e equipamentos de informática têm refletido diretamente no lixo encontrado nas ruas de Goiânia. Só no primeiro semestre deste ano, a venda deste tipo de produto aumentou 9,3% em relação ao mesmo período do ano passado.

Sem ter para quem doar ou onde descartar, muita gente deposita nas ruas o que já não lhe serve mais, mas que pode ser reutilizado ou reciclado.

Solução para quem não tem condições de acesso aos produtos, acaba se tornando uma problema para a cidade, que já sofre com a produção de mais de 400 mil toneladas de lixo por ano. Em 2010, foram 440 mil toneladas e apenas 5% foram recicladas, uma margem ainda pequena e que revela o desafio que poder público e sociedade têm pela frente.

Atualmente, esse tipo de lixo é recolhido por caminhões da Comurg, que fazem coleta de entulhos e galhadas provenientes da poda de árvores. Geralmente, é levado para a central de reciclagem, que distribui entre as cooperativas, onde é avaliado e destinado para reutilização ou reciclagem.

Parte do material recolhido, que não pode ser aproveitado, acaba sendo levado para o aterro sanitário, contribuindo para aumentar a montanha de lixo produzida.

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